top of page

As Perturbações de Ansiedade na Infância - Ansiedade de Separação


O medo é uma resposta natural a um estímulo que representa uma ameaça ao bem-estar ou segurança de uma pessoa, sendo por isso algo natural em qualquer criança.

Existem medos transitórios, comuns à maior parte das crianças. Mas então, quando deve ser considerada a possibilidade de estar perante uma perturbação de ansiedade?

  • Quando o medo persiste para além da fase normal;

  • Quando é adequado à fase de desenvolvimento, mas é demasiado intenso, ou quando surge na fase de desenvolvimento indevida;

  • Quando não é controlado voluntariamente;

  • Quando interfere significativamente no desempenho da criança em várias áreas de vida e causa mal-estar significativo à criança e sua família;

  • Quando desencadeia uma resposta emocional intensa (ex. tensão, apreensão e desconforto), sintomas físicos persistentes (ex. ritmo cardíaco acelerado, suores, respiração superficial, queixas somáticas - dores de cabeça, dores de barriga, tremores, tonturas, tensão muscular, fadiga, vómitos,…), pensamentos perturbadores e provoca alterações no comportamento (evitamentos/fugas).

As perturbações de ansiedade estão entre as perturbações de saúde mental com maior prevalência em crianças e adolescentes e essa prevalência parece estar a aumentar cada vez mais, acompanhando o ritmo e exigências atuais, cada vez mais intensos.

A ansiedade de separação tem sido apontada como a mais comum na infância, sendo também uma das que mais chega à Consulta de Crianças e Adolescentes, tendo em conta o impacto e interferência que tem não só no funcionamento da criança, mas também no funcionamento de toda a família.

Neste quadro clínico, a criança:

  • Revela mal-estar recorrente e excessivo quando antecipa ou experiencia a separação das figuras de vinculação – normalmente a mãe (ex. de manhã, tenta adiar a separação, pede tranquilizações, comportamento “tipo lapa”, necessidade de muito contacto físico, birras, choro,…);

  • Preocupação excessiva e persistente pela possível perda da mãe ou por possíveis males que possam acontecer à mãe (ex. doenças, lesões, desastres ou morte);

  • Preocupação excessiva e persistente com a possibilidade de sofrer um acontecimento adverso (ex. perder-se, ser raptado, acidente, ficar doente) que leve à separação da mãe;

  • Relutância persistente ou recusa em ir à escola ou outros lugares devido ao medo de estar longe da mãe;

  • Relutância ou medo excessivo e persistente de estar em casa ou noutras situações sozinha ou sem a mãe;

  • Relutância ou recusa em adormecer sozinha no quarto ou fora de casa;

  • Pesadelos repetidos com o tema da separação, morte, ser raptada, ser abandonada;

  • Queixas repetidas de sintomas físicos (dores de cabeça, estômago, náuseas ou vómitos,…) quando ocorre ou se antecipa a separação;

  • Evitamentos frequentes (ex. visitas de estudo, convites para festas ou dormir em casa de amigos,…);

  • Preocupa-se e controla excessivamente a mãe (torna-se a sua “sombra”, telefona-lhe frequentemente, pára de brincar para ver se ela continua presente,…); na escola, pode passar os intervalos perto do portão para ver se/quando a mãe chega, pede para telefonar à mãe, distrai-se a pensar na mãe,…

Se reconhece este tipo de caraterísticas na sua criança, prolongadas no tempo, é realmente importante procurar apoio em psicologia para a criança e sua família!

Paralelamente, a atitude e comportamento de quem está à volta da criança podem também ser fundamentais para ajudar a criança que sofre de ansiedade.

Recomendo algumas dicas e estratégias gerais que podem ser adaptadas e usadas à tipologia de ansiedade e à especificidade da sua criança:

  • Não se zangar e não gozar com os medos da criança, e nem usá-los para “manipular”. Seja compreensível e empático (mas não ao ponto de reforçar e contribuir para esse medo!);

  • Orientar para a reflexão sobre as consequências do medo e para a sua vida a longo prazo (lembrar à criança todas as consequências negativas que estão a ocorrer na sua vida desde que o medo assumiu “o controlo”);

  • Não reforçar os evitamentos da criança em relação à situação de medo (ao reforçar os evitamentos da criança, está a transmitir-lhe a ideia de que é preciso estar constantemente atento a possíveis perigos e que o que evita é, de facto, perigoso);

  • Evitar as terapias de choque do tipo “agora ou nunca”; não force a criança, principalmente se é para desistir a meio! Isso não só diminui a probabilidade que a criança se disponha a enfrentar o medo, como aumenta o perigo de reforçar esse medo. O que acontece, frequentemente, nestas terapias de choque é que a ansiedade é tão elevada que a criança acaba por fugir até mesmo antes de dar tempo da ansiedade começar a baixar, acabando por reforçar o seu medo;

  • Dar passos pequenos, mas seguros, na exposição ao medo (“Escadinha do Medo”: faça uma hierarquia das situações que a criança teme – da menos ansiosa até à que causa maior ansiedade; gradualmente, ir expondo, certificando-se de que quando a exposição termina, a ansiedade da criança já baixou até esta se sentir confortável e assim descatastrofizar a perigosidade da situação);

  • Debater com a criança a irracionalidade do seu medo... mas sem ridicularizar:

- “O Medo é mentiroso!” (“o Medo entra na nossa cabeça e sussurra-nos coisas que não são verdade para nos fazer desistir e aterrorizar! Se o Medo é mentiroso, podemos simplesmente ignorá-lo ou então dar-lhe umas valentes respostas! Mas se ouvimos o que ele nos diz, o Medo acaba por vencer e ficar mais forte, e tu não queres isso pois não?”);

- Brincar aos detetives (consiste em desafiar a criança a procurar evidências (pistas) que provem a “verdade” ou a “mentira” do medo);

  • Ajudar a criança a “desligar a estação de rádio do medo” e “sintonizar a estação de rádio da coragem” (pensar com a criança num discurso alternativo e corajoso a adotar perante uma situação de ansiedade);

  • Incentivar a vestir a pele do seu herói favorito ou pedir ajuda ao seu ídolo para travar uma luta contra o medo (o que faria o seu herói favorito se estivesse naquela situação? Peça-lhe para imaginar que é esse super-herói ou que está com ele (nas situações em que se tem de se expor ao medo, seja em imaginação ou ao vivo); esta estratégia desencadeia sentimentos de excitação associados à aventura, bem como de sentimentos de orgulho e alegria, que vão contribuir para a inibição da ansiedade);

  • Incentivar a criança a enfrentar e lidar com a ansiedade (recorrendo a incentivos verbais e físicos, estimulando pensamentos felizes e afirmações positivas (prevenção); evite palavras negativas - em vez de dizer “não precisas de ficar com medo”, diga algo como “estás seguro, está tudo bem”;

  • Reforçar, valorizar e reconhecer os esforços e aproximações ao comportamento desejado (sempre que a criança dê um pequeno passo (por mais pequeno que seja) em direção ao comportamento desejado, deve valorizar; o reforço/reconhecimento dos adultos é um incentivo bastante poderoso para que a criança continue a enfrentar o seu medo);

  • Deixar que a criança, inicialmente, use algum objeto ou amuleto que a ajude a lidar com a ansiedade e, mais tarde, proceder à retirada progressiva desses objetos e comportamentos de segurança;

  • Explorar livros, histórias, filmes, músicas e outros materiais que ensinem a própria criança a lidar eficazmente com o medo;

  • Estar atento e retirar os reforços que estão a manter o comportamento desadequado (“haverá alguma coisa que está a fazer que mantém o medo da criança?”);

  • Promover e ensinar atividades e técnicas de relaxamento e técnicas de respiração (respirar, em geral, ajuda qualquer pessoa que se sente ansiosa a atrair a atenção para a ação de respirar e não para o motivo da preocupação; o objetivo de usar técnicas de respiração com as crianças é que elas retomem o controlo sobre as suas emoções, recorrendo a estratégias seguras e eficazes, como os poderes de um super-herói”;

  • Usar a imaginação para fazer algumas brincadeiras com a criança no sentido de explorar o seu medo e distrair dos aspetos ansiógenos.

Não se esqueça também do impacto da alimentação no funcionamento geral da criança, então procure dar-lhe uma alimentação saudável, assim como envolvê-la em atividades físicas e promover o contacto com a natureza!

As perturbações de ansiedade na infância têm tratamento. Recomendam-se cerca de 8 a 12 sessões no mínimo, dependendo muito a evolução de cada criança e contexto familiar.

É importante evitar expetativas irrealistas na progressão do tratamento, para não intensificar ainda mais pressão na criança; também importa avaliar a ansiedade daqueles que estão à volta da criança e consciencializar a necessidade de a diminuir, já que a ansiedade tende a ser aprendida e mantida por modelamento.

Assim, o objetivo geral da avaliação e intervenção deve ser a diminuição da ansiedade e a promoção de uma maior tranquilidade e bem-estar não só na criança, mas também nos contextos gerais em que está envolvida.


Featured Posts
Recent Posts
Archive
Search By Tags
Nenhum tag.
Follow Us
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page