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Síndrome de Asperger: Compreender e Intervir


No mês em que se comemora a Consciencialização do Autismo (dia 2 de Abril), vale a pena perceber o que é, afinal, a Síndrome de Asperger (SA), enquadrada desde 2013 na Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) - embora os manuais clínicos e de diagnóstico usem, desde então, a denominação geral de perturbação do espetro do autismo para todas as crianças do espetro, na linguagem corrente, continua a usar-se o termo “Asperger” para classificar as crianças “posicionadas” num nível mais ligeiro do espetro do autismo.

Tratando-se de uma perturbação do desenvolvimento, e tendo em conta as mudanças que ocorrem ao longo da vida, a SA varia na apresentação de sintomas, dependendo da idade, do ambiente e de cada criança. Assim, a SA inclui um conjunto de caraterísticas que podem ser muito intensas numas pessoas e quase impercetíveis noutras. Determinadas caraterísticas podem estar presentes numa criança e ausentes noutra, e essas particularidades não são estáticas, ou seja, a intensidade ou gravidade de cada sintoma pode mudar ao longo da vida. Paralelamente, também o impacto e a interferência de cada comportamento sintomático varia, tornando várias pessoas com SA muito diferentes entre si.

Segue-se uma reflexão acerca das caraterísticas e dificuldades típicas de Síndrome de Asperger:

Dificuldades ao nível da comunicação e interação social

Apesar de poder iniciar contactos, superficialmente, ou até de realizar autonomamente tarefas sociais que seguem uma linha orientadora já aprendida (ex. recados, compras), as crianças com SA apresentam dificuldades na interação social, nomeadamente em desenvolver e manter relações sociais com os pares e colegas, de acordo com o que é esperado para o seu nível de desenvolvimento.

Paralelamente, estas dificuldades estão associadas a uma falta de reciprocidade social ou emocional e a uma não compreensão dos comportamentos e das regras sociais.

Assim, as interações sociais com os pares tendem a não ser recíprocas e esta dificuldade está diretamente associada à comunicação social: estas crianças não são “boas ouvintes”, sendo que poucas vezes prestam atenção ao que os outros dizem, a não ser que o assunto seja do seu interesse. Por outro lado, falam mais para os outros do que com os outros, tanto nas conversas como nos jogos. O discurso está também muitas vezes associado aos seus interesses particulares e restritos (exemplos: carros, jogos, animais, …), o que acaba por afastar o interlocutor e dificulta o desenvolvimento das amizades.

Além disto, estas crianças têm dificuldade na compreensão das regras do comportamento social e não prevêem as suas consequências; é por isso que, na interação com os pares, querem jogar de acordo com as suas próprias regras e alteram as mesmas a meio do jogo se a competição não está a correr bem. Na interação com adultos, por exemplo, pais e professores, a não compreensão dos limites e das regras sociais leva estas crianças a comportamentos que podem ser confundidos com desafio ou oposição, nomeadamente a argumentação e os protestos constantes com o adulto.

Pode haver, por um lado, uma espontaneidade decorrente da pouca compreensão de limites sociais que facilita o contacto com os pares, mas, por outro lado, do ponto de vista emocional há uma dificuldade nas trocas emocionais recíprocas e na empatia (no sentido de se colocar no lugar do outro e assim prever consequências) e, por isso, também a este nível surgem obstáculos ao desenvolvimento e manutenção das amizades.

Do ponto de vista da comunicação não-verbal, poderão estar presentes também dificuldades quer no processo de compreensão/interpretação quer na expressão da linguagem corporal, o que perturba a comunicação social e, consequentemente, as relações interpessoais. Assim, as dificuldades em ler a intencionalidade de gestos e atitudes por parte dos outros, a ingenuidade e algumas atitudes inapropriadas fazem com que estas crianças possam ser mais facilmente alvo de gozo. Por outro lado, ao nível da expressão, são comuns dificuldades em comunicar com o olhar, as expressões faciais tendem a ser algo limitadas assim como a entoação do discurso pode ser peculiar (ex. pouca variação no tom, discurso muito “correto e adulto” ou muito “abebezado”/infantil para a idade, em determinadas alturas).

Pessoas com SA têm problemas de linguagem em menor escala do que as classificadas com grau de PEA mais severo, falam mais fluentemente e não têm dificuldades de aprendizagem tão marcadas. É verdade que têm normalmente inteligência (Q.I.) média ou mesmo acima da média, embora seja um mito que todas as crianças com SA sejam “superinteligentes”; além disso, independentemente do Q.I., muitas crianças com SA tendem a apresentar dificuldades em contexto escolar, nomeadamente no que toca à compreensão da leitura, que pode ser difícil pelas mesmas razões que perturbam a comunicação de uma forma geral (dificuldades na compreensão, interpretação e expressão). Pode ser difícil apreender a mensagem de um texto em toda a sua complexidade, assim como as composições escritas tendem ser sintéticas e, em geral, sem grande fantasia e imaginação, havendo normalmente maiores dificuldades ao nível do Português (leitura e escrita), comparativamente à matemática (que por ser mais objetiva e concreta é mais fácil). É também por isto que é comum em pessoas com SA a interpretação literal do que ouvem e a dificuldade em perceber o sentido oculto de piadas, ironias e metáforas. Tudo o que é mais objetivo, concreto e claro tenderá a ser melhor apreendido.

Associado aos perfis da SA está a rigidez e inflexibilidade de pensamento – estas crianças tendem a ser muito rígidas nas conversas, por exemplo, quando insistem repetitivamente em determinado assunto e podem ter dificuldade em aceitar outras respostas que lhe são dadas nas situações.

Esta rigidez está também na base do cumprimento “à risca” de determinadas regras que lhe foram ensinadas ou instruções que lhe são dadas. Devido a uma inflexibilidade de pensamento e à forma rígida como as pessoas com SA interiorizam as regras, é difícil para estas crianças compreender que há momentos e situações em que as normas podem ser não cumpridas ou entender o ponto de vista de outra pessoa e por isso não ser capaz de entender porque é que alguém não cumpriu a regra escrupulosamente.

Esta inflexibilidade e rigidez cognitiva pode prejudicar também as relações sociais, porque as crianças com SA são capazes de testemunhar ou fazer queixas dos colegas sem prever as consequências, mas está associado a um sentido de justiça muito forte e a uma honestidade caraterística destas crianças.

Também a rigidez está associada às dificuldades na imaginação, típicas de um SA; os desenhos são muito pobres, assim como a criatividade nas composições e nas brincadeiras.

Às dificuldades no comportamento social estão associadas dificuldades emocionais, típicas da SA, nomeadamente ao nível do autocontrolo, ansiedade e níveis de frustração.

Parece difícil para estas crianças entender os motivos e as intenções do outro e por isso, em situações menos estruturadas, lidar com o outro pode ser muito stressante e levar ao descontrolo emocional e comportamental, através de reações explosivas. Por outro lado, explosões de temperamento podem ser muitas vezes uma reação à frustração que a criança sente por não conseguir compreender o outro e expressar-se a si mesmo. A consciência social (que inibe o comportamento da maioria das pessoas) é baixa em crianças com SA, por isso, estas não se inibem de mostrar a sua frustração através destas reações intensas.

Também é comum que o desenvolvimento emocional de crianças com SA se faça a um ritmo mais lento, daí as reações algo infantis, com dificuldades no autocontrolo e desproporcionadas em relação ao que a motivou, típicas de crianças mais pequenas.

A ansiedade na SA está muito associada à dificuldade em prever o que vai acontecer e manifesta-se, por exemplo, antes dos testes, em situações de espera, imprevisibilidade e mudanças de rotina. Podem surgir dores, tiques motores (estereotipias), perguntas e comentários repetitivos (que sevem a função de aliviar esta ansiedade) e pode haver um aumento geral da agitação e das dificuldades no controlo emocional e comportamental nos vários contextos. Por outro lado, a dificuldade em identificar e expressar as emoções de um modo adequado mantém e/ou aumenta a ansiedade nestas crianças.

Padrões de comportamento e interesses restritos e repetitivos

Um dos traços mais caraterísticos da SA é o desenvolvimento de interesses intensos por um determinado tópico. É como se os interesses ou tópicos favoritos sejam para a criança um lugar de paz e conforto, num mundo difícil de compreender. Por exemplo, perante um interesse intenso por carros, a criança pode passar muito do seu tempo em atividades relacionadas (ver vídeos, jogar jogos relacionados com carros,…), parecendo ter uma fixação naquilo e ficando desesperado se não consegue ver os vídeos.

Os interesses muito intensos por temas específicos contrastam com o pouco interesse em quase tudo o resto, levando a que haja uma motivação e investimento superior por determinados conteúdos académicos e, contrariamente, a um desinteresse por outros. Por outro lado, fontes de motivação sociais (ex. agradar aos pais e professora) que funcionam com a maioria das crianças não funcionam tanto com estas crianças, por não lhe ser tão importante agradar (comum na SA). E ainda, as dificuldades de imaginação e de planeamento a longo prazo tornam ineficazes incentivos a médio e longo prazo e é por tudo isto que é difícil manter a motivação no trabalho escolar e nos TPC’s. São comuns queixas por parte da escola de que a criança “parece que se desliga e vai para o seu mundo”, sem dar atenção ao que está à sua volta.

Muitas crianças com SA não são diagnosticadas como tal ou demoram até ser diagnosticadas, por passarem “despercebidas”. São muitas vezes referidas, pela família e professores, como estranhos, excêntricos, originais, diferentes, extravagantes ou esquisitos. Os casos mais ligeiros, diagnosticados ou não, frequentam o sistema educativo comum e, com o apoio adequado e motivação, em casa e na escola, podem fazer bons progressos, continuar os estudos ao nível universitário e arranjar emprego.


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